AMIZADE: CONEXÕES OU EMOÇÕES?

Confira a coluna da semana do Jornalista Marcilio Felippe sobre o assunto.


No mês passado, participei de um encontro com amigos, em um final de semana delicioso. São esses encontros típicos da turma de escola, daqueles amigos do tempo em que a amizade era o prazer de estarmos juntos, sem celulares, sem internet. Tive esse privilégio do reencontro, pois, são amigos que na sua maioria, eu não via há décadas, que trazem as esposas, filhos e pessoas amigas, que também acabam se tornando nossos amigos. É uma rede social.  

Nada virtual nesse encontro, mesmo por que o local é um pouco distante, dentro de uma área rural, onde os sinais de rede não são dos melhores. Nada contra a modernidade, mas assim voltamos no tempo, onde as conversas no portão, sentados no muro, na calçada ou mesmo no pátio do colégio, eram melhores que as conversas do WhatsApp de hoje.

E amigo é quem nos faz pensar, agir ou nos comportar no melhor de nós mesmos. Amigo é quem potencializa esse material humano. Não digo que laboremos o pior de nós (algumas pessoas, sim), mas é que nem sempre podemos ser integrais para operar nossas virtudes. Há que contar com algum elemento propiciador, uma afinidade, empatia, um amor ou um pouco de tudo isso. A amizade nos faz crescer internamente.

Amigo é aquele que, mesmo ficando anos sem se falar, ao reencontrá-lo, a sensação é a mesma de ter estado com ele no dia anterior, a conversa parece uma extensão daquela silenciada há tempos atrás. A amizade aflora o que de melhor temos dentro da nossa alma e nos faz verbalizar isso.

E sempre que agimos no melhor de nós mesmos, consequentemente nossas atitudes são bondosas, sendo a mais terapêutica das ações, a mais catártica e a mais recompensadora. Esta é a verdadeira amizade: aquela que transcende os encontros, traz conhecimentos, revive o passado em comum, as aventuras da juventude vividas juntos. Ao encontrarmos alguém que não vemos há anos e com quem vivenciamos alguma emoção juntos, essa emoção aflora e brota sementes já esquecidas.

E eu falo de uma amizade que supera aquela outra mais comum nos dias de hoje: falo do amigo real e não da amizade virtual. Eu falo dessa amizade de cheiro, de abraços e de lembranças inesquecíveis, de reencontros que faz os olhos ficarem marejados de emoção.

Da amizade cúmplice nas traquinagens sadias, que não cultuava o ódio e nem a violência, apenas evidenciavam o nosso espírito de juventude saudável, sem vícios ou outros interesses que não fosse apenas o companheirismo inevitável.

Hoje o que nos impulsionava é esse virtualismo digital, para aqueles amigos que não vemos ou nunca vimos, que encontramos ou conhecemos nas redes sociais, e que, de alguma forma acaba ocupando espaços reais de nossa amizade, por que é latente no ser humano essa socialização. O amigo é alguém com quem temos afinidades e empatia e alguma forma de amor, alguém com quem podemos contar no infortúnio, na tristeza, pobreza, doença ou desconsolo. E podemos encontrar isso também em nossas amizades virtuais. Mas nunca será a mesma coisa.

Ainda há uma diferença gritante: amigos virtuais não criam raízes, como aquelas amizades do tempo de colégio. E nem poderia. Com exceção daquelas que resgatamos do nosso passado e que graças à internet, podemos desfruta-las outra vez.

Claro que a virtualidade hoje produz amigos aos quilos, mas o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é proveniente de pessoas reais e presenciais, distantes ou próximas, que nos levam ao melhor de nós. E o que é o melhor de nós? É algo que todos temos, em estado latente ou patente, desenvolvido ou atrofiado. E certas pessoas conseguem o milagre de potencializar isso em nós.

Sentimo-nos, então, fundamentalmente gratos e de certa maneira, orgulhosos por podermos exercitar o que temos de melhor. Este melhor de nós contém sentimentos, palavras, talentos guardados, bondades exercidas ou não. No entanto, somos por natureza seres carentes de sermos vistos e considerados pelo melhor de nós. A trivialidade, a superficialidade, as disputas inconscientes, a inveja, a onipotência, faz a maioria das pessoas transformar-se em vítimas do próprio olhar restritivo.

E o olhar restritivo é sempre fruto da projeção que fazem (fazemos) nos demais, de problemas e partes que são nossas e não queremos ver. E quantas vezes isso acontece entre pessoas que se dizem amigas?  Muitas vezes há inveja como prova de amizade. O que não é.

Mesmo quando é caso que se queira medir o tamanho de uma amizade, meça-se a capacidade de perceber, sentir e potencializar as qualidades do outro, porque somente essa atitude faz uma pessoa cada vez melhor e, por isso, merecedora da amizade que lhe é dedicada.

Por isso nas redes sociais, nas amizades distantes e virtuais, nos tornamos protagonistas de nós mesmos, das nossas aventuras viagens e palavras, sempre procurando uma “curtida”, quem sabe, um “emotion” de coração ou um comentário que faça nosso ego inflar e assim, nos sentirmos plenamente gratificados. Em contrapartida, também pode nos transformar em críticos vorazes, tornando as redes sociais altamente tóxicas. 

Para qualquer relacionamento contar como amizade, vários fatores devem estar presentes. Isso inclui afinidade mútua, respeito e reciprocidade. Em um ambiente online, isso parece não ter importância pois normalmente procuramos pessoas que compartilhem nossos hobbies, interesses comuns ou experiências parecidas com as nossas.

Queremos nos conectar com pessoas que refletem nossas paixões ou sentimentos sobre assuntos que valorizamos, como questões sociais, políticas ou culturais. De certa forma, isso é excludente pois instintivamente, descartamos quem pensa diferente de nós nas redes sociais. Basta um clique no mouse.

Por isso, é preciso exercitar sempre essa maravilhosa química do reencontro presencial, de amizades físicas e verdadeiras, da troca de olhares, de sorrisos e perceber que muito tempo se passou, mas o sentimento e o afeto ficaram guardados como tesouros, num lugar chamado coração. Nada substitui o abraço, o calor humano e sentimentos que não precisam ser digitados, apenas percebidos. Não basta apenas estar conectado: é preciso sentir as emoções no seu sentido mais amplo e profundo.

Autor da matéria: Marcilio Felippe

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