- Evidenciador ,
- 11 dez 2024
Créditos da foto: Adene Sanchez/Getty Images
Cientistas do Brasil e da Alemanha deram um passo importante na busca de um composto que pode dar origem a um novo tratamento contra o câncer. A molécula estudada pelo grupo é um potente inibidor da proteína MPS1, envolvida no crescimento de tumores sólidos. Os resultados da pesquisa foram publicados no periódico Journal of Medicinal Chemistry.
O trabalho, conduzido no Centro de Química Medicinal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os próximos passos envolvem o aprimoramento da molécula e a realização de testes em animais de laboratório e em células tumorais humanas.
O alvo do investigação – a MPS1 (monopolar spindle kinase 1) – é uma proteína que pertence à classe das quinases e desempenha um papel crítico no controle da divisão celular. A expressão em excesso dessa proteína tem sido associada a uma variedade de tumores sólidos, entre eles os de mama, pâncreas, glioblastoma e neuroblastoma. Por esse motivo muitos grupos de pesquisa buscam moléculas capazes de inibir a ação da MPS1.
As quinases, de modo geral, são consideradas alvos prioritários para o desenvolvimento de fármacos, pois regulam uma série de processos importantes no interior das células.
Neste trabalho, os cientistas planejaram e testaram uma pequena molécula que se liga de forma covalente à proteína MPS1 (um tipo ligação estável por ocorrer compartilhamento de elétrons entre os dois átomos).
“De maneira geral, os compostos se ligam a proteínas-alvo de forma reversível, em equilíbrio dinâmico. A modificação que fizemos nesse composto faz com que ele se ligue de maneira definitiva e isso traz vantagem para o desenvolvimento de um novo medicamento, pois há um prolongamento da ação inibitória na proteína”, explica Rafael Couñago, pesquisador da Unicamp e autor do estudo.
Quando se trata de desenvolver um novo fármaco, a forma que o composto se liga à proteína-alvo tem muita influência sobre a eficácia do tratamento. A ligação covalente, se bem planejada, é uma característica desejada, pois garante que não ocorra deslocamento da molécula em seu alvo, o que poderia prejudicar o efeito terapêutico. Entre os medicamentos que estabelecem esse tipo de ligação estão a penicilina, omeprazol e aspirina, entre outros.
Atualmente, são conhecidos apenas oito medicamentos inibidores de quinases que se ligam de forma covalente ao alvo. No caso desta pesquisa, os autores exploraram uma característica pouco comum da MPS1, que é a presença de um resíduo do aminoácido cisteína numa posição específica.
Das mais de 500 quinases codificadas pelo genoma humano, apenas cinco possuem essa característica.
“Isso é favorável em termos de seletividade e potência quando está se desenvolvendo uma molécula inibidora com potencial terapêutico, pois reduz muito a chance de a nossa molécula se ligar a outras quinases [o que poderia causar efeitos adversos]”, explica Ricardo Serafim, que realizou seu pós-doutorado na Unicamp.
Atualmente, Serafim é pesquisador da Universidade de Tübingen, na Alemanha, onde realizou estágio com apoio da Fapesp.
Para chegar até a molécula inibidora covalente, os pesquisadores fizeram uma análise da estrutura tridimensional da MPS1 em busca de sítios promissores para o encaixe de moléculas. Em seguida, iniciaram a procura por potenciais inibidores no Protein Data Bank (PDB), um banco de dados público mantido por uma organização internacional chamada Worldwide Protein Data Bank.
Essa seleção inicial, juntamente com simulações computacionais, levou a um conjunto de três séries químicas promissoras.
A partir dessa etapa, Serafim sintetizou aproximadamente 30 moléculas para testá-las em ensaios enzimáticos e identificou uma classe de compostos com o mecanismo de inibição desejada para a MPS1. A ligação covalente foi depois confirmada por meio de espectrometria de massa e cristalografia de raios X. “Testamos a molécula em ensaios celulares e vimos que ela tem eficácia para tratar células com câncer”, explica Serafim.
Normalmente, os experimentos que diferenciam inibidores covalentes de inibidores não covalentes são bem complexos e requerem diferentes expertises. “Nós trabalhamos bastante para poder comprovar que havia uma ligação covalente entre composto e alvo. Estar num centro multidisciplinar no Brasil capaz de desenvolver o ensaio enzimático, a espectrometria de massa e a cristalografia de raios X ajudou muito a acelerar este processo”, ressalta Couñago.
Agora que os autores identificaram um potente inibidor de MPS1, eles pretendem melhorar algumas das propriedades da molécula antes de iniciar a etapa de ensaios clínicos.
“Tivemos sucesso na prova de conceito. Agora são necessários ajustes, principalmente em termos de reatividade, para que ela fique ainda mais eficiente em inibir a proteína-alvo”, finaliza Serafim.